Eu e
minha irmã mais nova já sabíamos: sábados e, muitas vezes, domingos de manhã
eram reservados para as visitas aos pacientes do meu pai internados ou acamados.
Separado e com duas filhas pequenas, ele não tinha alternativa a não ser nos
levar a essas visitas.
Enquanto
ele examinava os pacientes, ficávamos brincando no estacionamento ou aos
cuidados de alguma enfermeira gentil que nos levava passear pela ala
pediátrica. Não raro, íamos à casa ou ao quarto dos pacientes.
Foi
assim que tomei contato com a aids, nos anos 1980.
Naqueles dias obscuros, era
comum ouvir que o vírus podia ser transmitido por meio de contato social.
Ciente do absurdo dessa premissa, meu pai nunca nos permitiu ter medo ou evitar
os pacientes. Aliás, isso não era sequer cogitado.
Os doentes
e seus familiares nos recebiam em casa ou nos quartos de hospital com tanta
simpatia que passamos a pedir para acompanhá-lo nas visitas.
Sempre
havia um presente, um pedaço de bolo, um livro, um agrado à nossa espera. Pacientes
fisicamente debilitados e abatidos nos recebiam com um sorriso terno e amoroso.
Perdi a
conta de quantas vezes recebi beijos, abraços e elogios generosos de gente que
eu nem sequer conhecia.
Eu não
entendia à época por que essas pessoas eram tão mais receptivas do que as que
sofriam de outras doenças.
Aos
poucos fui compreendendo que aqueles pacientes também eram vítimas de outra
doença: o preconceito.
Ao revelar que sofriam de aids, tinham de engolir os cochichos e olhares de reprovação, isso quando não eram demitidos do trabalho, expulsos de ambientes e abandonados por amigos e familiares. Como, então, não se surpreender com um médico que, além de
visitá-los em casa, levava duas filhas pequenas que se sentavam na cama deles
para ver televisão?
Essa
experiência me deixou marcas profundas. Aprendi que o preconceito é a expressão
do lado mais detestável do ser humano. E é abominável.
Também
entendi que, felizmente, ele não é intrínseco. A gente aprende a ser
preconceituoso, assim como a não ser.
E isso me faz ainda ter alguma
esperança na humanidade.