quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Eduardo Cunha e sua luta contra os direitos

O deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) é um homem incansável. Sua luta contra os direitos daqueles que ele considera indignos beira a obsessão. A mais nova iniciativa do peemedebista se chama PL 5069/2013, e está prevista para ser votada hoje, 22/9, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, já com as emendas do deputado Evandro Gussi (PV/SP).

O projeto, em suma, dificulta o atendimento e altera os direitos já garantidos às vitimas de estupro. Como? Assim:

1) Atualmente, o aborto é permitido por lei em casos de estupro, entre outras situações. O PL de Cunha prevê a criminalização da facilitação ou instigação do aborto, com penas maiores para agentes de saúde. O projeto não faz ressalvas explícitas às ocorrências de estupro, o que abre brecha para que profissionais, com medo de punições, não orientem ou atendam as vitimas nos casos em que o aborto é permitido por lei. Essa “omissão” dos casos de estupro certamente não foi um descuido dos deputados, mas antes algo muito bem pensado.

2) Hoje se entende por violência sexual “qualquer forma de atividade sexual não consentida”. Pelo projeto de lei, só serão consideradas vítimas de violência sexual aqueles que puderem comprovar a agressão por meio do exame de corpo de delito, caso contrário não receberão atendimento especializado. Os deputados ainda retomam, no projeto, a definição de violência sexual constante do Código Penal de 1940, em que, para ser considerada vítima desse tipo de violência, é preciso haver ”dano físico ou psicológico”. Ora, sabemos que se nem todo ato de violência sexual deixa sequelas físicas aparentes, o que dizer então dos danos psicológicos, que são ainda mais suscetíveis à contestação?

3) No momento, toda a rede SUS é obrigada a fornecer atendimento imediato às vítimas de violência sexual. Esse atendimento compreende, entre outras medidas, tratamento das lesões, amparo médico, psicológico e social, profilaxia da gravidez (pílula do dia seguinte) e informação de serviços sanitários disponíveis. Pelo PL, além de ser necessária a comprovação da violência sexual antes do atendimento, os serviços não serão mais obrigados a fornecer a pílula do dia seguinte nem informar a vitima sobre seus direitos, que incluem acesso aos serviços de aborto legal, caso esse seja seu desejo. (Em tempo: a ciência já demonstrou que a pílula do dia seguinte não é abortiva, ela impede a ovulação ou, quando esta já ocorreu, a formação do endométrio gravídico, camada que recobre o útero para receber o óvulo. Duvido muito que os nobres deputados desconheçam esse fato.)

Muito bem. Na prática, estamos dizendo à vitima de estupro que não acreditamos nela, que ela deve se virar para comprovar que sofreu violência, caso contrario não receberá o acolhimento devido. Caso ela passe pelo constrangimento de ter de provar que é vítima e consiga atendimento, ela não terá garantido o acesso à pílula do dia seguinte nem ao serviço de aborto legal.

Não sei você, mas eu pensaria duas vezes antes de procurar ajuda, caso fosse vitima de estupro. Já que eu não poderia impedir a violência sexual sofrida, pelo menos evitaria me submeter à violência que essa sociedade hipócrita me reservaria ao me negar um atendimento digno e especializado.



Não sei se o projeto vai ser aprovado, mas tenho certeza de que os deputados não se darão por vencidos. Portanto, nobres deputados, já que lhes xingar de nada adiantaria, peço ao menos que respeitem as mulheres, que constituem mais de 50% da população brasileira, e não mexam em direitos já constituídos. Procurem fazer algo mais útil, como, por exemplo, ir atrás de um terreno para capinar.

*Texto originalmente publicado na página "Quebrando o Tabu"