domingo, 22 de novembro de 2015

Feminicídio


Em fevereiro de 2015, causou comoção na internet o caso do empresário que agrediu as cadelas da noiva, no Rio de Janeiro. O vídeo em que ele aparece maltratando os animais, filmado e divulgado pela dona dos bichos, foi rapidamente compartilhado por milhares de usuários das redes sociais, mobilizando, inclusive, a OAB.

Pouco mais de três meses depois, o mesmo empresário agrediu violentamente a agora ex-noiva, na porta de uma festa. Bastante machucada, a moça divulgou fotos e denunciou o rapaz à polícia.

Apesar dos dois fatos envolverem as mesmas vítimas, a violência contra a mulher não gerou um décimo da comoção da agressão aos animais.Embora triste, o fato não surpreende.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a cada uma hora e meia uma mulher morre por causas violentas no Brasil. São 472 por mês; 5.664 por ano. É bastante gente.

São mulheres estupradas, espancadas, agredidas e vítimas de maus-tratos que resultam em óbito, na maioria das vezes cometidos por companheiros ou ex-companheiros. Esse tipo de crime, em que pessoas morrem apenas por serem mulheres, tem nome: feminicídio.

Nem todos conseguem ver a relação entre o assassinato de mulheres por questões de gênero e machismo, mas ela existe. Afinal, permitimos o controle da vida e da sexualidade da mulher, adotando costumes e normas que vão desde a valorização da virgindade até a criminalização do aborto. Dizemos como as mulheres devem se vestir, que aparência devem ter, como devem se comportar.

Obviamente nem todos se sentem no direito de matar por causa disso.Mas todas as vezes em que a sociedade aceita abusos nas ruas, que maridos digam com quem a mulher deve se relacionar e pais criem filhas e filhos sob regras diferentes estamos passando uma mensagem muito clara: os homens têm poder sobre as mulheres.E se isso é verdade, acabamos aceitando, também, que alguns extrapolem e acabem“exagerando” na dose e cometendo abusos e crimes.

Sem querer parecer simplista nem desprezar outras variáveis que contribuem para essa violência, como racismo, baixa escolaridade, entre outras, é primordial uma mudança cultural no sentido de não tolerarmos mais que as mulheres assumam lugar secundário na sociedade. Mas isso leva tempo, e muitas não podem esperar.

Nesse sentido, medidas como a sanção da lei que define como crime hediondo a morte violenta por razões de gênero, a Lei do Feminicídio, contribuem para que se pense duas vezes antes de tirar a vida de uma mulher. É lamentável, mas precisamos de uma lei para isso.


*Texto originalmente publicado no site "Sobre nossa visão distorcida"