segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Machismo à esquerda


Vamos falar sobre machismo na esquerda?


É sabido que as pessoas de esquerda, em geral, se voltam para as questões sociais e as injustiças que assolam as minorias. Faz parte de sua preocupação e de seu discurso defender os direitos humanos daqueles que nem sempre podem deles usufruir.


Por isso, tendemos a achar que não há machismo, racismo, homofobia ou qualquer tipo de preconceito entre os esquerdistas. No entanto, está cheio de homem de esquerda machista. Cheio. Esses caras ficam chocados ao descobrir que o assédio sexual começa, na maioria dos casos, antes dos dez anos de idade, mas são capazes de usar expressões sexistas para criticar a mulher do deputado federal Eduardo Cunha, de detonar a aparência da mulher que agrediu o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de SP Eduardo Suplicy, só para citar acontecimentos que foram notícia nas redes sociais esta semana.


Eles bravejam a favor da igualdade de gênero, mas discriminam a colega da faculdade que não tem pudor em revelar que faz sexo quando e com quem deseja. Quer dizer, eles até fingem que a acham bacana, principalmente se puderem transar com ela, mas no fundo, sem assumir e por trás, consideram-na “vadia” e evitam um relacionamento mais sério com ela, sob o pretexto de que “não querem se envolver no momento”.


Eles são os colegas que menosprezam as gordas, os maridos que não dividem as tarefas de forma igualitária em casa, os professores universitários que seduzem as alunas jovens e bonitinhas para se autoafirmar, os rapazes que ficam bravos quando rejeitados porque, afinal, como assim?, eles são tão gente boa, tão libertários, tão preocupados com o mundo!


Não é simples reconhecer esses machistas porque eles se disfarçam sob um discurso igualitário e atitudes progressistas. Mas basta um olhar mais atento para ver que eles estão em todos os lugares: nas faculdades, nos bares descolados, nos grupos que representam movimentos sociais organizados, até entre seus amigos íntimos. Suas atitudes machistas são tão opressoras quanto as oriundas das pessoas mais reacionárias, pois machismo é opressor por si só, não importa de onde nem de quem venha.


Vamos admitir: todos fomos criados, em maior ou menor grau, sob a influência de crenças machistas, racistas e homofóbicas, para citar alguns dos preconceitos que nos foram empurrados goela abaixo desde a infância. Para deixar de acreditar nelas, é necessário primeiro reconhecer o quanto elas nos atingem, depois é preciso muito questionamento, discussão, força de vontade, até. Esse processo leva tempo e, muitas vezes, é doloroso.


Se é difícil para qualquer um reconhecer e desconstruir suas crenças, para o homem de esquerda que acredita que conseguiu escapar incólume pela sociedade patriarcal é ainda mais penoso. Contudo, não é impossível e tem um monte de gente que consegue.


Temos de deixar claro que usar expressões e práticas machistas para se referir a uma mulher é ofensivo, mesmo que ela seja de direita, corrupta, mau-caráter, que seja a mulher do Cunha. Se não ofende você, deveria.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"