segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O namorado não deixa

Ninguém tem dúvida de que levar um tapa na cara ou um soco no estômago é sinal de violência. É possível discordar se ela é merecida ou não, mas todo mundo sabe que esses são atos violentos.

No entanto, atitudes como dizer para a namorada vestir uma roupa mais comportada, usar menos maquiagem, cortar contato com determinado colega ou ainda deixar de se comportar de certa maneira são atos que muitos consideram sinal de “ciúme saudável”, como se isso existisse. Uma demonstração de amor, enfim.

Esse tipo de comportamento tem nome, e não é nada bonito: chama-se violência psicológica. Pode ser praticada por homens e mulheres, a diferença é que os primeiros costumam fugir de namoradas controladoras ou pelo menos dão um jeito de driblar a vigilância com mentiras e subterfúgios bem conhecidos de ambos os sexos. Já as mulheres... bem, muitas a aceitam como parte natural dos relacionamentos amorosos, porque aprenderam, com a ideia de amor romântico que lhes enfiaram na cabeça a vida toda, que controle é sinal de afeição, de cuidado, de querer bem.

Segundo pesquisa divulgada no ano passado pelo Instituto Avon e Data Popular e realizada com jovens de 14 a 24 anos, 56% das meninas já tiveram um parceiro que vasculhou seu celular atrás de supostas mensagens amorosas; 40% tiveram um companheiro que tentou controlá-la por meio de telefonemas; 37% praticaram relações sexuais sem preservativo por insistência dos parceiros; 33% já foram impedidas de usar determinada roupa pelos namorados.

É muito grave que meninas tão jovens já iniciem a vida amorosa e sexual assim, considerando normal demonstrações de controle e violência psicológica. Uma relação abusiva pode deixar marcas para sempre, além de estabelecer um padrão de relacionamento do qual é difícil escapar mais tarde.

Ninguém pode dizer ao outro como se vestir, aonde ir, de quem ser amigo, como se comportar. Ciúme não é saudável, é um sentimento que traz consequências horríveis para quem o sente e devastadoras para sua vítima, por isso deve ser combatido.

Isso não tem nada a ver com monogamia ou com a ausência dela. Cada um estabelece o tipo de relação que quiser, desde que encontre pessoas que concordem com seus termos. Tem a ver com respeito, com liberdade, com aceitação. Se você não gosta do jeito do seu parceiro ou parceira, afaste-se, mas não tente domá-lo(a). Simples.

Aprendemos que as pessoas podem e devem ser controladas. Isso, contudo, não é verdade. Como disse a filósofa Simone de Beauvoir, “querer-se livre é também querer livre os outros”. Ninguém é propriedade de ninguém, nem filhos, muito menos parceiros afetivos. Qualquer atitude que vise a controlar o outro é, sim, sinal de violência.


*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"