terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Meu amigo secreto


A campanha ‪#‎meuamigosecreto‬ surgiu, até onde sei, espontaneamente na internet. Não foi organizada nem tem autoria conhecida. Na linha da‪#‎primeiroassédio‬, esta, sim, criada com objetivo claro e definido pelo Think Olga, incentiva as mulheres a falar sobre atitudes machistas de amigos e conhecidos. Diferentemente da primeira, gerou muitas críticas. Listo aqui algumas considerações necessárias:


1) Por que a campanha é importante para as mulheres?
A internet trouxe algo valioso para as minorias, inimaginável tempos atrás: a possiblidade de se comunicar, de somar esforços e unir pessoas que passam pelos mesmos problemas mas que, de outro modo, nunca se encontrariam. Isso fortalece os indivíduos, os grupos e, consequentemente, a luta por direitos.
A campanha #meuamigosecreto é bacana porque as mulheres podem denunciar situações machistas pelas quais passam no dia a dia e conversar sobre elas, trocar informações, encontrar apoio entre si. Desse modo, elas se fortalecem. Também tem como mérito o fato de revelar como o machismo é intrínseco na nossa sociedade, como permeia o cotidiano e “contamina” as pessoas.


2) Não seria melhor se as mulheres dissessem para os próprios amigos que não gostaram de sua atitude em vez de insinuar e dar indiretas?
Sim, seria muito melhor se pudéssemos olhar na cara de cada amigo ou colega que perpetua atitudes machistas e ter uma boa conversa com ele. Acontece que isso nem sempre é possível. Muitas mulheres têm medo, e não sem razão. Outas sentem vergonha ou não sabem bem como agir. Os homens também quase nunca estão receptivos a ouvir (acreditem) e muitos reagem com agressividade. E o foco da campanha, pelo que entendo, é denunciar as atitudes exatamente sem personalizar, para mostrar como elas são comuns, na esperança de que quem as pratique possa refletir, reconhecê-las e evitá-las.


3) Muita mulher está usando a campanha para dar indiretas em amigos e ex-namorados e isso não ajuda em nada a luta por direitos.
Como toda campanha, esta também está sujeita a deturpações e não é perfeita, o que não a desvalida de forma nenhuma. Seu intuito é expor feridas, mostrar para outras mulheres que elas não estão sozinhas, revelar para a sociedade como muitas atitudes machistas são propagadas sem que pensemos nelas e como isso machuca, agride e ofende as mulheres. A ideia é revelar para mudar.


4) Por que esta campanha ofendeu mais os homens do que as outras?
Bom, tenho alguns palpites. Na ‪#‎primeiroassedio‬, que foi importantíssima, as mulheres acusaram o outro: o desconhecido na rua, o padrasto machista, o babaca com o qual muitos homens, principalmente mais jovens e que já cresceram sob a influência de muitas conquistas feministas, não se identificam. Esta campanha mostra que qualquer homem pode ser machista, justamente porque ele é estrutural e se revela até nas sutilezas.
Também acho que muitos não compreenderam bem o intuito e julgaram que o objetivo das mulheres é se vingar (se fosse, também seria compreensível), quando na verdade ela vale muito mais para nós, mulheres, do que para os homens. É muito importante para o feminismo que as mulheres se apoiem, identifiquem-se umas com as outras, encontrem-se e somem esforços.


5) Por fim...

É extremamente difícil nos reconhecer machistas (ou racistas ou homofóbicos ou seja lá o que for). É duro, principalmente se nos esforçamos para não ser. Mas é importante, também. É assim que avançaremos.
Sugiro que respeitem as campanhas e manifestações que ainda vão surgir, escutem, reflitam, pensem no motivo de elas existirem e, em última instância, incomodarem tanto.
Talvez um dia elas não sejam mais necessárias; quem sabe a sociedade mude a ponto de não precisarmos mais delas e desenvolva meios para que possamos denunciar atitudes machistas com segurança e efetividade. Por enquanto, as campanhas, gostemos ou não delas, vão continuar. Como dizemos por aí, não tem mais volta.

*Texto originalmente publicado na página "Quebrando o Tabu"