quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Mulheres criam projeto para ajudar crianças com microcefalia

Cida Nicolau e as filhas Maria Clara Vieira e Maria Júlia Vieira, moradoras de São Bernardo dos Campos (SP), ficaram, como a maioria dos brasileiros, muito tocadas quando as notícias sobre o aumento dos casos de microcefalia relacionados ao Zika virus começaram a surgir. Sensibilizadas pelas histórias de mulheres pobres que têm de cuidar de filhos com sérias limitações físicas e cognitivas, resolveram agir e criaram a plataforma online Cabeça e Coração (cabecaecoracao.com), que conecta quem precisa de ajuda e quem quer ajudar.

A jornalista Maria Clara conta que o primeiro passo foi ir atrás das mães em comunidades das redes sociais voltadas para os casos de microcefalia e convidá-las a fazer parte do projeto. Após uma breve entrevista e a verificação da veracidade da história, as mães montam uma lista dos itens de primeira necessidade de que mais carecem, fornecem seu endereço e conta bancária e aguardam a publicação do seu pedido no site. A ajuda lhes chega diretamente, sem intermediários.

Há duas maneiras de contribuir, enviando os itens pelo correio diretamente para a casa da criança ou fazendo uma transferência bancária para a conta da mãe da criança.

“Decidimos usar a tecnologia para facilitar o contato entre as mães e as pessoas que querem ajudar”, explica Maria Clara. “O retorno tem sido muito positivo, as mães compartilham suas histórias na nossa comunidade no Facebook.”

Nem todas as mães cujos filhos têm microcefalia tiveram zika, mas suas histórias são parecidas: mulheres jovens e moradoras de regiões carentes do país cujos filhos com microcefalia alteraram totalmente a rotina da família. Algumas foram abandonadas pelos companheiros ao receberem o diagnóstico. Boa parte tem outros filhos pequenos, e muitas moram muito longe dos centros de tratamento especializados, sendo obrigadas a viajar horas para oferecer ao bebê os cuidados necessários.

O caso de Daniele, moradora de Recife (PE) e cujo filho Juan Pedro tem microcefalia, ilustra bem a situação de desamparo em que essas mulheres se encontram. Mãe de outra criança de 11 anos e abandonada pelo companheiro, que “não aguentava o choro do bebê”, Daniele ainda não sabe se conseguirá manter o emprego de recepcionista de que tanto necessita, pois o filho requer assistência integral.

Já Laurineide, desempregada e moradora de Monteiro (PB), precisa viajar cerca de 400 km até Recife três vezes por semana para que o filho tenha acesso ao tratamento. A prefeitura da cidade fornece o carro e o combustível de ida, mas ela precisa pagar o combustível de volta e uma refeição na cidade. Gasta R$ 120,00 por vez.

As idealizadoras da plataforma, que não recebem nenhum centavo pelo trabalho, pretendem ampliá-la, atraindo mais mulheres e interessados em ajudar. Para tanto, contam com a divulgação e a boa vontade daqueles que compreendem a gravidade da situação dessas mulheres e crianças que, na enorme maioria dos casos, não têm a quem recorrer.

*Matéria originalmente publicada no drauziovarella.com.br

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Maternidade idealizada


Esta semana, minha TL foi invadida por fotos de amigas e conhecidas exaltando a beleza e a alegria da maternidade. Vou deixar de lado o fato de que essa ‘campanha’ possa ser armação dos grupos contrários à descriminalização do aborto e me concentrar apenas na discussão do que chamo de “maternidade plena”.

Nunca considerei a ideia de não ter filhos. Aliás, essa possibilidade sequer passou pela minha cabeça. Então, quando achei que havia chegado a hora, planejei minha família e tive duas filhas, duas meninas maravilhosas que me enchem de alegria e amor. Contudo, elas também me fizeram pensar até que ponto a maternidade, para mim, havia sido mesmo uma escolha, em seu sentido mais amplo. Melhor: até que ponto ela é uma escolha para qualquer mulher.

Quando crianças, aprendemos que somos dotadas de um instinto maternal tão poderoso e natural quanto sentir fome e sono. Dizem-nos que nenhuma mulher escapa da vontade de ter, cuidar, amparar e amar os filhos incondicionalmente, pelo menos não uma mulher que não seja egoísta ou egocêntrica. Afinal, somos generosas, maternais, compreensivas, amáveis, e nossa vida será desprovida de sentido se não seguirmos esse instinto natural.

Só que a maternidade não é natural, pelo menos não para todas. É algo construído a duras penas, no dia a dia, durante anos. Não é tarefa fácil, implica doação, comprometimento, exige que abramos mão da própria vida em muitos sentidos, em vários momentos. E, adivinhem?, criar filhos às vezes é duro, outras é chato, quase insuportável. E isso nada tem a ver com amor.

A noção idealizada da maternidade não ajuda as mulheres a lidar com a maternidade real e suas contradições e dificuldades. Assim, como fazem com a ideia de amor romântico, em que há uma alma gêmea à sua espera para desfrutar uma vida de alegrias e prazeres, tentam nos empurrar que ser mãe é uma maravilha, algo para que todas as mulheres nasceram. E quem não experimenta esse sentimento sublime tem de aguentar os olhares inquisidores e os julgamentos alheios.

Realmente, há algumas mulheres que se sentem totalmente realizadas e completas sendo mãe. Para mim, é apenas parte do que sou, nunca me definiu. E não foi fácil admitir que não há nada errado com isso.

A sociedade tem uma relação ambígua com a maternidade. Ao mesmo tempo que a exalta, não facilita a vida da mãe. Na verdade, a maternidade pode ser uma forma de aprisionamento, já que os homens participam muito pouco dos cuidados diários dos filhos, as mães têm dificuldade para arrumar emprego, para estudar, para encontrar tempo para suas realizações pessoais e com frequência são consideradas más mães quando não exercem a maternidade do jeito mais convencional. Isso sem falar nas milhares de mulheres que criam os filhos sozinhas, que se veem presas em jornadas duplas para sustentar e cuidar dos filhos (lembremos que mais de 5 milhões de brasileiros não são sequer registrados pelos pais).

Ter ou não ter filhos deve ser uma escolha pessoal, e só poderemos fazê-la de fato se tivermos oportunidade de sermos outras coisas. É possível, sim, ter uma vida plena e realizada sem filhos, e cada vez mais mulheres vêm nos provando isso.

Quem escolher não ter filhos, não importa por qual motivo, não deve ser vista como uma mulher incompleta, não realizada, ao contrário, ela terá mais liberdade para explorar outras possibilidades. Quem decidir tê-los, precisa saber que enfrentará a tarefa mais difícil da vida, que em nada se assemelha à ideia de paraíso. Deve ter consciência que essa pode ser uma experiência maravilhosa, mas também pode não ser. E que tudo bem, desde que nos aceitemos como somos e busquemos nosso próprio caminho. Sem idealizações.


*Texto originalmente publicado na página "Quebrando o Tabu"

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O desamparo das mulheres com zika


Todo mundo já ouviu dizer que o vírus zika causa microcefalia em fetos de mulheres infectadas. O que pouca gente sabe é que o comprometimento neurológico desses bebês é muito mais grave do que o das pessoas com microcefalia de origem genética. É tão mais grave que muitos médicos evitam o termo “microcefalia” e já falam em síndrome neurológica causada pelo zika, cujas limitações físicas ainda estão sendo estudadas.

O Zika virus é transmitido pelo Aedes aegypti. Disso já sabemos. Também sabemos que o mosquito se reproduz em água parada, principalmente em regiões em que o saneamento básico e o abastecimento de água são precários, o que leva a população local a armazenar água. Resultado: por enquanto, a imensa maioria das grávidas que contraíram o vírus da zika é de mulheres pobres e moradoras da região nordeste do país.


São mulheres muitas vezes jovens, com mais de um filho para criar, sem assistência médica decente, em alguns casos abandonadas pelos parceiros e que agora vivem aterrorizadas diante da possibilidade de ter um filho com sérias limitações físicas e intelectuais. Ninguém as preparou para essa situação em que agora se encontram. Desamparadas, não sabem o que pensar, a quem procurar, o que fazer.

Algumas mulheres com condições financeiras melhores, frente à perspectiva de ter um filho com tantas limitações ainda desconhecidas, têm optado pelo aborto clandestino. Antes de crucificá-las, é preciso buscar compreendê-las.

Diante de um quadro tão grave e sem precedentes, um grupo de profissionais e ativistas está redigindo uma ação ao STF, que se divide basicamente em dois braços, segundo a antropóloga Débora Diniz, uma das idealizadoras da ação:

1) Acesso ao exame de testagem para o Zika virus a todas as gestantes das regiões endêmicas. Em caso de resultado positivo, a gestante deverá ter acesso a todas as informações a respeito da doença e dos riscos a que está sujeita. Após esse momento, terá a oportunidade de escolher entre interromper a gestação ou dar seguimento à gravidez.

2) No primeiro caso, ela poderá ter acesso ao programa de Aborto Legal, já previsto em casos de anencefalia e estupro, por exemplo. Caso ela decida seguir com a gestação, contará com políticas sociais amplas de proteção à maternidade e à infância. Mãe e criança deverão receber assistência que vise a melhorar a qualidade de vida de ambas.

Não se trata de impor o aborto a crianças com malformações, mas de conceder o direito individual de escolha a mulheres que sofrem tortura psicológica causada pela ameaça de ter um filho com uma síndrome tão grave.

Estamos vivendo uma epidemia sem precedentes. Não é hora de discussões acaloradas e passionais, mas de olharmos com empatia e respeito para mulheres já abandonadas pelo Estado e oferecer-lhes acesso a informações e amparo em suas escolhas, quaisquer que sejam elas.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Feminismo mal compreendido

Outro dia, uma moça famosa disse em uma entrevista que não se considerava feminista porque achava que o feminismo era cheio de regras e ela queria ser livre para pensar por si. Nos comentários, muitas mulheres discordavam dela, algumas de forma bem agressiva, enquanto outras concordavam e aplaudiam a “coragem” de sua declaração.

Nós, feministas, no meu entender, em vez de crucificarmos a moça, deveríamos tentar entender os motivos que levam tanta gente a pensar como ela. Por que um movimento que luta pela igualdade de direitos e preza a liberdade de escolha passou a ser visto como uma cartilha de comportamentos sectários que afastam aquelas que deveriam atrair?

Não sou pretensiosa a ponto de achar que entendo todos os motivos de o feminismo ser, muitas vezes, visto como uma seita religiosa. Mas arrisco alguns palpites, pois o atrevimento é uma das minhas características pessoais:

1) Falta de informação correta
Muita gente não entende exatamente o significado do feminismo, e acaba reproduzindo meia dúzia de bobagens que escuta por aí. O feminismo é, a grosso modo, um movimento que luta por direitos iguais e para que as mulheres se libertem dos padrões patriarcais que as oprimem. Não é equivalente ao machismo, como muitos pensam. Existem várias vertentes de feminismo, com características diferentes. Não pretendo descrevê-las aqui, mas há farta literatura a respeito, para quem se interessar.

2) Má-fé

Algumas pessoas sabem exatamente no que consiste a luta feminista, apenas não concordam com ela, e em vez de apresentarem argumentos contrários, acham mais simples difamá-la. Mentem descaradamente, atribuem-lhe reivindicações falsas (acreditem, já vi gente dizer que feminista é contra as mulheres transarem de quatro!), reproduzem falas sem contexto, caluniam e agridem as feministas com o intuito de desqualificá-las. Essa tática, por assim dizer, é extremamente comum e tem surtido efeito não é de hoje.

3) O próprio movimento, ao se deter em brigas internas e problematizações excessivas, inúmeras vezes acaba afastando as mulheres

O feminismo, como todos os movimentos sociais, é feito por seres humanos, pessoas de várias idades, níveis sociais, vertentes e pensamentos, portanto é cheio de imperfeições e discordâncias e está em constante construção. Muitas vezes, nós, feministas, perdemos tempo demais ao problematizar e discutir questões sem importância, e nos restringimos a apontar o dedo umas para as outras em vez de nos atermos às nossas reivindicações e à luta por direitos iguais. Acabamos sendo intransigentes e confundindo a discussão sobre as questões relacionadas à mulher com pitacos na vida alheia. Esse comportamento afasta aquelas que se sentem julgadas em vez de acolhidas e dá margem para fomentar as bobagens que muitos propagam sobre o movimento.

Por fim, que fique claro: não existe cartilha de comportamento feminista ideal ou carteirinha que ateste o nível de comprometimento com o feminismo. Ele não se importa como as mulheres transam, como lidam com seus pelos ou se vestem nem pretende “destruir” os homens. Sua luta é por direitos, para que as mulheres acreditem em si e se fortaleçam para escolher com liberdade, livres dos padrões que nos são impostos há séculos.


*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"