quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O desamparo das mulheres com zika


Todo mundo já ouviu dizer que o vírus zika causa microcefalia em fetos de mulheres infectadas. O que pouca gente sabe é que o comprometimento neurológico desses bebês é muito mais grave do que o das pessoas com microcefalia de origem genética. É tão mais grave que muitos médicos evitam o termo “microcefalia” e já falam em síndrome neurológica causada pelo zika, cujas limitações físicas ainda estão sendo estudadas.

O Zika virus é transmitido pelo Aedes aegypti. Disso já sabemos. Também sabemos que o mosquito se reproduz em água parada, principalmente em regiões em que o saneamento básico e o abastecimento de água são precários, o que leva a população local a armazenar água. Resultado: por enquanto, a imensa maioria das grávidas que contraíram o vírus da zika é de mulheres pobres e moradoras da região nordeste do país.


São mulheres muitas vezes jovens, com mais de um filho para criar, sem assistência médica decente, em alguns casos abandonadas pelos parceiros e que agora vivem aterrorizadas diante da possibilidade de ter um filho com sérias limitações físicas e intelectuais. Ninguém as preparou para essa situação em que agora se encontram. Desamparadas, não sabem o que pensar, a quem procurar, o que fazer.

Algumas mulheres com condições financeiras melhores, frente à perspectiva de ter um filho com tantas limitações ainda desconhecidas, têm optado pelo aborto clandestino. Antes de crucificá-las, é preciso buscar compreendê-las.

Diante de um quadro tão grave e sem precedentes, um grupo de profissionais e ativistas está redigindo uma ação ao STF, que se divide basicamente em dois braços, segundo a antropóloga Débora Diniz, uma das idealizadoras da ação:

1) Acesso ao exame de testagem para o Zika virus a todas as gestantes das regiões endêmicas. Em caso de resultado positivo, a gestante deverá ter acesso a todas as informações a respeito da doença e dos riscos a que está sujeita. Após esse momento, terá a oportunidade de escolher entre interromper a gestação ou dar seguimento à gravidez.

2) No primeiro caso, ela poderá ter acesso ao programa de Aborto Legal, já previsto em casos de anencefalia e estupro, por exemplo. Caso ela decida seguir com a gestação, contará com políticas sociais amplas de proteção à maternidade e à infância. Mãe e criança deverão receber assistência que vise a melhorar a qualidade de vida de ambas.

Não se trata de impor o aborto a crianças com malformações, mas de conceder o direito individual de escolha a mulheres que sofrem tortura psicológica causada pela ameaça de ter um filho com uma síndrome tão grave.

Estamos vivendo uma epidemia sem precedentes. Não é hora de discussões acaloradas e passionais, mas de olharmos com empatia e respeito para mulheres já abandonadas pelo Estado e oferecer-lhes acesso a informações e amparo em suas escolhas, quaisquer que sejam elas.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"