quarta-feira, 6 de abril de 2016

O mito da mulher louca

O filósofo francês Michel Foucault, em “História da Loucura”, chama a atenção para o uso, ao longo da história, do conceito de normalidade como forma de controle social. Aqueles cujos comportamentos e atitudes subvertem a ordem estabelecida são reprimidos e controlados, sob a ameaça de serem chamados de loucos e, em última instância, afastados da sociedade (“eliminação dos a-sociais”, segundo o autor). Portanto, quem determina o que é normal exerce poder sobre os demais.

São inúmeros os casos de mulheres consideradas desequilibradas e muitas vezes internadas em conventos ou sanatórios por engravidarem de quem não deveriam, por se recusarem a casar com quem não desejavam ou ainda por lutarem contra a opressão a que lhes submetiam.

Mesmo sabendo que existem doenças psiquiátricas (não pretendo negá-las), podemos garantir que Maria I de Portugal, Joana de Castela, Camille Claudel, Frances Farmer, Sylvia Plath e tantas outras que não por coincidência assumiram atitudes contrárias ao que se esperava delas sofriam de fato de patologias? Será que necessitavam mesmo de tratamento ou esse foi o modo que a sociedade encontrou de desmerecê-las por sua ousadia?

Na atualidade, o mito da mulher louca ainda serve como uma luva para deslegitimar e desqualificar aquilo que as mulheres dizem e fazem. Não conheço nenhuma mulher que nunca tenha sido chamada de maluca, doida, histérica, descontrolada, desequilibrada ou qualquer coisa do gênero. Quando ela assume posições de poder, ou seja, subverte a ordem implícita de que não deve aventurar-se a abandonar seu lugar subalterno, as alusões à sua loucura são ainda mais evidentes.

É claro que acostumamos a nos chamar de loucos o tempo todo, homens e mulheres. Qualquer comportamento mais agressivo ou fora do comum é logo considerado desequilibrado, sem grandes prejuízos para ninguém. Não é disso que falo. Refiro-me à tentativa de questionar a competência, atitudes ou sentimentos de uma mulher atribuindo-lhe uma pretensa loucura.

Vivemos um momento político difícil. Mesmo assim, é preciso resistir a generalizações perigosas. Dilma não é louca. Janaína Paschoal também não. São mulheres bem sucedidas profissionalmente, passíveis de críticas quanto a seu desempenho, mas que nada têm de malucas. Devem ser responsabilizadas por suas atitudes, mas não agredidas com frases preconceituosas, que só fazem reforçar estereótipos extremamente nocivos, contra os quais lutamos.

Deixemos em paz os loucos, sejam eles os que sofrem de patologias ou os que apenas ousam transgredir as leis da sociedade.


*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"