quarta-feira, 18 de maio de 2016

Aborto e Igreja

O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, reconheceu, em entrevista à edição de hoje (17/05/16) do jornal “O Estado de São Paulo”, que é preciso discutir com urgência a questão do aborto, e que vai “estudar com muito carinho” o tema. Seria uma postura digna de elogios, se em seguida o ministro não afirmasse que quer conversar com a Igreja antes de traçar diretrizes para agir.

Não pretendo entrar no mérito da questão do aborto, até porque já escrevi várias vezes sobre a importância da sua descriminalização aqui e em outros veículos. Meu ponto é: por que diabos um ministro da Saúde pretende chamar a Igreja para tratar de um tema de saúde pública? Por que não ouvir médicos, profissionais da saúde e estudiosos do assunto?

A resposta parece bastante óbvia: como já conhecemos o posicionamento da Igreja quanto ao aborto, é claro que o ministro, ao dizer que vai escutar a Igreja, isenta-se da responsabilidade de enfrentar a questão. Aliás, ele não será o primeiro a fazê-lo. Até onde sei, o único ministro da Saúde que teve coragem de aceitar discutir o tema de verdade, sem subterfúgios, foi o ex-ministro José Gomes Temporão, que ocupou o cargo entre 2007 e 2011. Mesmo assim, enfrentou sérias resistências no governo e não conseguiu avançar o debate.

Para além dessa questão, o que me parece essencial discutir é se queremos mesmo que a Igreja Católica e outros grupos religiosos continuem impondo condutas para além de seus fiéis. Até quando grupos religiosos seguirão, com aval de representantes políticos, se intrometendo nos direitos dos cidadãos e cidadãs?

Não tenho nada contra quem queira seguir os dogmas da Igreja ou de qualquer religião, só não aceito que eles sejam impostos a mim, e o Estado laico me garante esse direito. É tão difícil entender?

Apesar de boa parte da sociedade não se interessar pela opinião dos religiosos acerca do casamento gay, do aborto, da discussão sobre gênero nas escolas e de outras questões, poucos são os políticos que ousam enfrentar os grupos religiosos. Preferem ignorar os que sofrem com os desmandos da Igreja do que afrontá-la.

Será que ainda veremos um governo, qualquer que seja ele, dizer em alto e bom som para os religiosos que eles não podem opinar no modo como as pessoas que não lhes dão importância devem viver?


*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"