quinta-feira, 21 de julho de 2016

A desculpa do crime passional

Há cinco dias, Cristiane de Souza Andrade foi assassinada a facadas na frente da filha de 7 anos, quando caminhava pela rua próxima à sua casa, no Rio de Janeiro. A cena da menina pedindo ajuda, coberta pelo sangue da mãe, ganhou os noticiários do Brasil e do mundo.

O que parecia uma tentativa de assalto malsucedida ganhou contornos de “crime passional”. Rojelson Santos Baptista, assassino confesso, contou que mantivera um relacionamento amoroso com a vítima, que se recusara a continuar a relação, motivando o crime. A família de Cristiane, no entanto, nega veementemente a versão do criminoso, afirmando que ela vivia com outro homem havia alguns anos. Apesar disso, a Policia Civil, mesmo sem divulgar nenhuma prova concreta, assumiu a versão dada por Rojelson como verdadeira.

Infelizmente, quem poderia esclarecer os fatos, a própria Cristiane, não tem como se defender da acusação de trair o namorado e ainda abandonar o amante inconformado, mas não me surpreenderia se o assassino estivesse inventando a história. Na verdade, ele tem todos os motivos para fazê-lo.

Acusado anteriormente de tentar matar uma ex-companheira também a facadas, Rojelson foi inocentado da acusação. Pôde desfrutar da liberdade até matar Cristiane diante da filha pequena. Ele não é exceção. Agredir uma mulher não costuma levar quase ninguém à cadeia: apenas 7% dos agressores domésticos são presos ou aguardam julgamento no Brasil (Mapa da Violência 2015).

Os crimes ditos passionais, que hoje são considerados feminicídios por lei e nada têm a ver com paixão e sim com misoginia e machismo, sempre foram tolerados pela sociedade. Tanto é que a cada uma hora e meia uma mulher é assassinada no Brasil apenas por ser mulher (Ipea, 2012). São 472 mulheres mortas por mês, a maioria por parentes, parceiros ou ex-parceiros (mais de 50%, segundo o Mapa da Viol.) que já agrediram ou ameaçaram a vítima anteriormente.

Rojelson tem todas as razões do mundo para difamar e tentar responsabilizar Cristiane de alguma forma, embora nada justifique seu assassinato. Sabe que terá mais chances de sensibilizar a Justiça posando de mal-amado e ferido emocionalmente por uma mulher que ousou lhe dizer não, pois já confirmou que a tática costuma dar certo. Para a polícia e demais autoridades, também é mais fácil acreditar na história do assassino, afinal o Rio de Janeiro sediará as Olimpíadas em breve e ninguém precisa de mais uma história de latrocínio para escancarar a falta de segurança pública da cidade, não é mesmo?

O fato é que poucos se importam com as milhares de Cristianes que morrem todos os anos no Brasil, muito menos com o que dizem delas. Culpar as vítimas, principalmente quando são mulheres, é o que fazemos de melhor.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"