quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Violência de gênero nas universidades

Ao contrário do que muitos imaginam, a universidade não é um lugar seguro, pelo menos não para as mulheres. Segundo a pesquisa do Data Popular encomendada pelo Instituto Avon em 2015, 67% das alunas sofreram algum tipo de violência no ambiente universitário, enquanto 28% das entrevistadas foram vítimas de violência sexual (tocar o corpo da vítima sem seu consentimento, cometer estupro quando a vítima está embriagada etc.).

Talvez o dado mais alarmante seja que 27% dos alunos do sexo masculino não consideram violência tentar abusar da mulher quando ela está sob o efeito de álcool.

No artigo “Por que os homens não amam as mulheres?”, publicado no Jornal da USP, a professora de Sociologia e ex-senadora Eva Blay chama a atenção para o fato de que a universidade está inserida na sociedade machista em que vivemos, portanto seria ilusão imaginar que as pessoas agiriam de forma diferente dentro dos muros das universidades.

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Assim, independentemente do curso, as universidades não podem se isentar de discutir violência de gênero e criar medidas para que seus alunos deixem de reproduzir o machismo que aprenderam lá fora. Afinal, a universidade deve ser um espaço de aprendizado e questionamento, um local que forme não apenas profissionais competentes em suas áreas, mas cidadãos.

Para isso, medidas de combate à violência de todos os tipos, como a humanização dos trotes, devem fazer parte do dia a dia das universidades.

Para que o assédio cometido por alunos, professores e funcionários deixe de ocorrer é preciso estimular as denúncias, criando centros que acolham as vítimas e encaminhem as acusações aos órgãos competentes, e que os responsáveis sejam devidamente punidos não apenas pela Justiça, mas também pela universidade.

No entanto, se a sociedade e a Justiça não fazem sua parte, de nada adiantam as denúncias. Há alguns anos, o estupro cometido por um aluno da USP se tornou um caso emblemático da violência a que as mulheres estão submetidas dentro das universidades.

A vítima relatou ter sido dopada e estuprada ao usar o banheiro que se localizava dentro do dormitório do aluno da Faculdade de Medicina da USP Daniel Tarciso da Silva Cardoso, na Casa do Estudante, no bairro de Pinheiros (SP). Apesar de exames médicos comprovarem a violência sexual, o juiz Klaus Marouelli Arroyo considerou, em 17/02/2017, que não houve o estupro, pois as acusações são inconsistentes e a vítima entrou no quarto de Daniel por “livre e espontânea vontade”, segundo matéria da Ponte Jornalismo.

Daniel, hoje médico formado, mas ainda sem registro para exercer a profissão, responde a mais 6 acusações de estupro em que as vítimas afirmam ter sido dopadas.

Enquanto desmoralizarmos e desacreditarmos as vítimas para proteger homens que usam a violência contra a mulher como modus operandi, os casos de abuso sexual e estupro continuarão existindo. Hoje não há nenhum ambiente de fato seguro para as mulheres.


*Publicado originalmente na página do "Quebrando o Tabu"

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Gênero e inteligência

Um estudo feito por pesquisadores de várias universidades americanas e publicado na revista Science revelou aquilo que observadores atentos já perceberam: as meninas se acham menos inteligentes do que os meninos.

Os pesquisadores realizaram diversos testes com 400 meninos e meninas de 5 a 7 anos. No primeiro, contavam uma história de uma pessoa (sem gênero definido) muito inteligente e pediam para que as crianças a relacionassem a um dos quatro adultos, dois homens e duas mulheres, apresentados a elas.

As crianças de até 5 anos associavam de maneira semelhante o próprio gênero à inteligência. Contudo, a partir dos 6 anos, as garotas se mostraram menos propensas a fazer essa ligação, e a maior parte escolheu a figura dos dois homens como “mais inteligente”.

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O estudo corrobora dados de outra pesquisa, feita no Brasil pela ONG britânica Plan International com 1.948 meninas de 6 a 14 anos, que revelam que 40% das meninas do país discordam que são tão inteligentes quanto os meninos.

Sabemos que as garotas não são criadas da mesma maneira que os garotos. Enquanto elas são tratadas como “princesas” e estimuladas a brincar de boneca e a se comportar bem, eles são incitados a praticar esportes e atividades que envolvam perigo e aventura. Aprendem, assim, a arriscar-se e a desenvolver confiança em si mesmos.

Na adolescência, também há regras sociais diferentes para os dois gêneros. Eles, em geral, recebem permissão para sair sozinhos mais cedo, namoram e transam livremente e usufruem de uma liberdade da qual a maioria das meninas não chega nem perto ou se chega, o faz escondido.

O controle sobre o corpo da mulher se dá de muitas maneiras. As mais notáveis são o excesso de cobrança pela beleza física idealizada, que inclui padrões inatingíveis para muitas, e o controle de sua sexualidade, ao negar-lhes o acesso aos direitos reprodutivos plenos.

As mulheres adultas ocupam a minoria dos cargos de chefia. Enquanto apenas 12% dos homens da América Latina não têm nenhuma fonte de renda pessoal, 33% mulheres estão na mesma situação (dados: Cepal, 2014), o que as deixa em situação de dependência econômica.

No que tange a questão da representatividade, as meninas e mulheres, principalmente as negras, têm bem menos exemplos de mulheres bem-sucedidas, independentes e inteligentes para se espelhar em filmes, livros, novelas e outras representações.

Tudo isso mina a autoestima e a autoconfiança das mulheres. Não à toa, temos cobrado mudanças que ajudem a construir uma sociedade menos machista, pois sabemos o quanto ela pode ser nociva às meninas. Talvez apenas não soubéssemos que o estrago começasse tão cedo.

*Texto originalmente publicado na página "Quebrando o Tabu"