quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Encontro

As mesas ocupadas e o barulho das conversas ao redor, principais motivos que a levaram a escolher aquele lugar, agora lhe pareciam insuportáveis.

Olhou o relógio. Chegara quinze minutos antes, como de costume. Tempo infindável que se impunha com toda sua crueldade e a impedia de raciocinar. Só conseguia concentrar-se no ambiente inóspito. De onde tirara a ideia de convidá-lo àquela lanchonete tão desagradável?

Quando ele se sentou à sua frente, em meio a sorrisos desconcertantes e comentários sobre o trânsito, ela entendeu por que propusera o local. Tudo que ela queria era evitar a intimidade, a fala pesada, seus olhos enchendo-se visivelmente de lágrimas que não pretendia derramar.

Que fosse ali, no meio de sacolas, de risos, de luzes brancas e cadeiras desconfortáveis.

Como era difícil encontrar as palavras! Quantas vezes já tentara explicar o que sentia, o que desejava, só para vê-lo desfazer-se com maestria da trama em que ambos se enredavam.

Por que ela marcara o encontro? O que mais havia a ser dito, explicado, proposto?

-- Você está bonita.

-- Ah, imagina, vim correndo do escritório.

-- Não se diminua. Agradeça e aceite, foi sincero.

Que mania de fazê-la sentir-se inadequada, como se vestisse uma calça que a deixava linda, mas a impedia de respirar. Ela sempre tentara compreendê-lo, entender seu amor distante, seu jeito de lembrá-la constantemente do seu autocontrole.

Era medo o que ele sentia? Desamor?

Logo ela, sempre tão intensa, tão verdadeira e espontânea, via-se ao mesmo tempo instigada e diminuta diante daquele homem que parecia ter domínio absoluto sobre todos os gestos, todas as palavras, todos os movimentos de aproximação e recuo que lhe eram tão familiares.

Foi então que ela olhou em seus olhos e percebeu que não havia o que desvendar nem procurar, estava a tudo ali, escancarado em seu riso narcísico.

E se deu conta de que demorara além do tempo, e que o nada, cujo sentido outrora lhe parecia tão alheado da realidade, enfim assumia uma configuração humana.

-- Você queria conversar?

-- Sim, mas antes preciso ir ao banheiro.

Assim que chegou à rua, arrependeu-se por um segundo e pensou em voltar, não era correto agir daquele modo. No entanto, a sensação de liberdade que a tomou em seguida a fez seguir em frente.

E ela, cuja inquietude habitual e o uso excessivo das palavras lhe afastavam do medo de uma vida inerte e covarde, agora se entregava à serenidade e partia sem ser notada, sem nada dizer.

Não era necessário: por fim compreendera que mudanças também são feitas de desistências silenciosas.